A BÍBLIA DE UM LOUCO

Don Martin possui um estilo original e inconfundível que ele refinou em seus mais de trinta anos de colaborador da MAD.

Crumb acabou de fazer o lançamento mundial de sua visão pessoal da Bíblia, mas existe outra bíblia de um autor ícone das HQs norte-americanas que está circulando por aí há uns bons dois anos. É uma bíblia no sentido figurado, um livro importante que traz tudo (sim, tudo) o que o genial e maluco Don Martin publicou na revista MAD durante 33 anos, e da qual ele era figura principal e colaborador constante. Junto com Alfred E. Neuman, o garoto sardento, com orelhas de abano e sorriso estúpido, os personagens de Don Martin ajudaram a criar a imagem da revista de humor em seus mais de cinquenta anos de vida. Uma curiosidade é que Alfred Neuman não foi criado para a MAD, mas simplesmente adotado pela revista: era um personagem popular de origem desconhecida e que já existia no século XIX.

Os dois enormes volumes com um total de 1.000 páginas de Completely MAD Don Martin vendidos em uma caixa, com capa dura com dorso revestido com tecido e letras douradas, pesam cerca de 8 quilos, e embora o preço normal seja de 150 dólares, podem ser encontrados em livrarias na internet com um bom desconto. Na verdade, pelo volume e peso, The Completely… poderia muito bem substituir um dos cofres que teimam em cair do alto dos edifícios nova-iorquinos na cabeça dos desafortunados e perplexos transeuntes das HQs do autor.

Don Martin possui um estilo original e inconfundível que ele refinou em seus mais de trinta anos de colaborador da MAD. Embora a principal vítima seja o cidadão comum vivendo situações inusitadas, cômicas e geralmente violentas, há também um desfile de personagens de contos de fadas, o fatídico náufrago na ilha deserta, gorilas gigantes, pelotões de fuzilamento em ditaduras latino-americanas, o prisioneiro na masmorra medieval, homens pré-históricos. Os atores dessa comédia alucinada são facilmente reconhecidos, pois geralmente são donos de narizes e queixos enormes, pés gigantes que se dobram de uma maneira estranha e longos dedos das mãos com vida própria. Sem contar a expressão de surpresa idiota e alienada com que terminam a gag.

Mais duas coisas que identificam e funcionam como bordão do quadrinhista: a infinidade de onomatopéias criadas para as situações estapafúrdias (há até uma página dedicada a elas na internet: http://www.madcoversite.com/index-dmd.html) e os títulos das histórias criadas para a MAD, geralmente com uma ou duas páginas:

– Uma noite na estação rodoviária
– Um dia quente na rua principal
– Uma bela tarde no dentista
– Um dia ensolarado na masmorra

Estão compiladas nos dois volumes também as sátiras a filmes – à maneira da e para a MAD – na época do seu lançamento, como Star Wars e Conan; assim como posters com a interpretação de pinturas, personagens de ficção famosos e celebridades: Mona Lisa, The Beatles, Sherlock Holmes, Robin Hood, O Nascimento da Vênus de Botticelli.

É interessante poder acompanhar a evolução do traço do artista, o refinamento dos personagens e das gags, até ele estabelecer seu estilo definitivo no início dos anos 1960. Os livros trazem as histórias curtas e desenhos feitos para a MAD entre 1956 e 1988, mas não apresentam outros trabalhos que saíram diretamente em uma dúzia de livros, como por exemplo, As Aventuras do Capitão Klutz. Talvez estejam reservados para uma próxima compilação.

Enquanto isso, podemos mergulhar num mundo hilariante e maluco que percorre, analisa e disseca a cultura popular ocidental e norte-americana e nos dá bons motivos para rir desse estranho animal que é o ser humano.
>> TERRA MAGAZINE – por Cláudio Martini

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