Como escola literária, o Realismo Mágico surgiu no início do século passado. Seus escritores mais expressivos são latino-americanos, como Bioy Casares, Jorge Luís Borges, Juan Rulfo, Arturo Uslar Pietri, Júlio Cortázar, José J. Veiga, dentre outros. O lusitano José Saramago bebeu avidamente nessa fonte.
Uma das características mais evidentes desse jeito de narrar é a presença de elementos mágicos ou situações fantásticas percebidas como normais no contexto da narrativa. Por exemplo: em “A Invenção de Morel”, de Bioy casares, o protagonista se percebe, não como um ente autônomo, mas apenas como uma miragem, imaginada e sob controle de um terceiro; em um conto de Borges, o Borges velho conversa calmamente como o Borges moço, numa tarde de verão numa praça em Buenos Aires; em Pedro Páramo, de Juan Rulfo, o herói, em busca do pai, chega a Comala, uma cidade cujo clima é tão estuporado que niguém tem certeza de que esteja vivo ou morto, inclusive o herói; em “A Máquina Extraviada”, de José J. Veiga, um maquinismo descomunal é colocado na praça de uma cidadezinha, sem nenhuma informação e sem qualquer finalidade conhecida, mudando o comportamento dos habitantes, inclusive com as velhinhas se benzendo diante dela, cerimoniosamente; em “Cem Anos de Solidão”, que é um rosário de cenas mágicas, há uma em que a umidade do ar é tão elevada que os peixes entram nadando calmamente pela porta e saem pelas janelas. Tudo isso descrito de uma forma muito natural e fleumática.
Aliás, essa noção de realismo mágico nada mais é do que a apreensão estética, literária, intelectual de um comportamento, de uma noção corriqueira das pessoas habitantes do grotões da América Latina. Especialmente dos cafundós do Brasil.
A propósito do que escrevi como título, cito duas anedotas que eu ouvia contar pelo pessoal da roça, quando eu era criança. Um capiau conta ao outro: — Parceiro, sistempo eu tava com a tarefa de roçar o pasto meio atrasada. O sol assim assim pra entrar e a inda me faltava um eito enorme. Aí eu desci a foice com vontade, roçando feito um doido. Tinha lá uma moita de assa-peixe bem grande, onde a mula do patrão tava escondida. Sem perceber, rapaz, num golpe eu torei o pescoço da mula. E agora?
— pensei. Peguei a cabeça dela ainda piscando e com toda a minha força, juntei com o corpo desinquieto. Rezei aquela mandraca que minha avó me ensinou. Ah! Foi batata! A cabeça pregou no corpo, na hora. Parece que ela nem ressentiu. Tá lá pra quem quiser ver. Ainda mais serelepe do que antes, porque na afobação da hora, preguei a cabeça dela com a cara voltada pra cima. Duvida?
Duvido nada! E eu não sei? — retruca o outro. Lá no sítio do meu avô, divisa donde você trabalhava, tinha uma bica d’água feita de aroeira tão antiga, mas tão antiga, que o dia em que ela apodreceu e caiu, a água já tão acostumada a passar por ela, continuou correndo do mesmo jeito, sem a bica. No ar.
— Ara, mas isso não pode ser, — retruca o primeiro.
— Pode sim, rapaz. Era lá que a mula de cabeça virada do seu patrão ia beber água?!
Outra anedota rural de cunho fantástico: dois capinadores carpiam as ruas de milho, lado a lado, enquanto proseavam. De repente um elefante adulto passa voando com estardalhaço, do vale em direção à serra. Os dois enxadeiros, silenciaram-se, apoiaram o sovaco no cabo da enxada e ficaram na espreita. De repente passa uma elefanta, em voo igualmente ruidoso, seguindo a mesma trajetória. Os capiaus mantêm a fleuma e o silêncio e continuam na espreita. Não demora até que passa um elefantinho num voo claudicante de aprendiz. Em seguida passa mais um, e logo um outro mais. Um braçal vira pro companheiro e comenta, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo:
— É… o ninho deles deve ser logo ali no mato.
— É bem lá mesmo que eu desconfiava.
E voltam a capinar naturalmente, retomando o assunto que haviam interrompido.
>> REVISTA BULA – por Edival Lourenço