EXTRATERRESTRES E COWBOYS: TEX, ZAGOR E MÁGICO VENTO

tex-willer31Parte I: Tex
Em geral podemos identificar um gênero literário pelos ícones que pertencem a este determinado gênero. Se estamos diante de seres com poderes fantásticos é quase certeza que se trata de uma história de super-herói, se falamos de robôs e alienígenas é provável que estamos a ler uma história de ficção científica, mas se nos deparamos com nativos americanos (índios) e cowboys estamos a ler faroeste.

Sou leitor de gibis desde criança, e meu primeiro gibi foi um gibi de
faroeste, e também sempre fui leitor de ficção científica, sendo que
tenho algumas centenas de livros de FC em minha biblioteca. Como fã
destes dois gêneros sempre me chamou à atenção histórias em que estes se misturavam.

Atualmente existe todo um gênero de ficção, conhecido como Steampunk, em que elementos típicos do século XIX, como a tecnologia a vapor, acaba por ter um desenvolvimento para além daquele que realmente teve no século XIX.

Ao mesmo tempo a narrativa incorpora outras tecnologias e elementos
que se tornaram parte de nosso imaginário apenas no século XX.
Podemos citar, para ficar apenas nos quadrinhos e no cinema, como
obras típicas deste movimento: A Liga Extraordinária de Alan Moore,
As loucas aventuras de James West (filme e série), a série O Mundo
Perdido, a HQ Rocketeer, o filme Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, o
desenho animado Steamboy e a HQ Docteur Mystére.

Nos quadrinhos Bonelli (quase um sinónimo para quadrinhos italianos),
do qual o mais famoso é TEX, mas também já foram editados no Brasil
outros gêneros destes quadrinhos, além de dois outros faroestes que
fazem sucesso entre o publico brasileiro: Zagor e Mágico Vento,
elementos de steampunk sempre estiveram presente, assim por vezes
podemos ver extraterrestres, robôs, naves espaciais e outras coisas
impossíveis no século XIX `real’ em meio a histórias de faroeste.

Neste artigo, em três partes, pretendo comentar as aparições de
extraterrestres nas histórias de faroeste destes três personagens: Tex, Zagor e Mágico Vento. Sendo o primeiro o faroeste mais tradicional dos três, o segundo o faroeste mais fantástico e o terceiro o mais realista, mesmo quando trata de temas fantásticos. Tex, apesar de ser um faroeste mais tradicional, tem algumas histórias voltadas para temas fantásticos. Inclusive aqueles que são considerados por muitos leitores seus maiores inimigos: Mefisto, seu filho Yama e Zhenda, são feiticeiros. Em outros momentos Tex já enfrentou Vikings, lobisomens, o Sasquatch e até dinossauros. Vamos as histórias com possíveis extraterrestres:

O Vale da Lua: Em Wilcox, sopé dos Montes Dragoon, depois de um
encontro com um velho amigo chamado Ben Rufus, Tex acompanha o amigo até a mina no Vale da Lua, onde descobre que um estranho ser,
portando uma arma futurista, aterroriza os garimpeiros da região do
Vale da Lua. Este ser faz dos apaches Chiricahuas, que o consideram
filho do Grande Espírito, seus escravos. Esta história saiu em Tex
n.º 17 e Tex Edição Histórica n.º 32.

A Flor da Morte: Uma flor, trazida por um meteorito, provoca a morte
daqueles que entram em contato com ela, para resolver este enigma Tex procura a ajuda do bruxo El Morisco. História publicada em Tex n.º 65 e Tex Coleção n.º 212, 213 e 214

Um mundo Perdido: Tex Miller, Kit Carson, Jack Tigre e Kit Miller, em uma expedição ao monte Rainer encontram seres de pele escamada e o que pode ser uma nave extraterrestre. História publicada em Tex nº 188 e 189.

A Ameaça do Espaço: um meteorito, carregado com estranhos microorganismos, provoca mutações em diversas pessoas, que transformam-se em horrendas criaturas. O primeiro homem contaminado pelos microorganismos foge da perseguição imposta por Tex e acaba por contaminar toda uma tribo indígena, então estes contaminados iniciam uma trilha de massacres e novas contaminações até que são detidos e mortos por Tex e Kit Carson. História publicada em Tex nº 333, 334 e 335.

Nestas histórias de Tex nota-se uma profunda influência do mestre do
terror cósmico H. P. Lovecraft, devido a origem enigmática destes
supostos extraterrestres, a história A Ameaça do Espaço tem nítidas
similaridades com o famoso conto A Cor que caiu do Céu, conto
clássico de contaminação por organismo extraterrestre. A nestas
histórias também uma perplexidade e estranhamento dos personagens
frente ao mistério extraterrestre que também são típicas das histórias de H. P. Lovecraft. Estranhamento este perfeitamente compreensivo, tendo em vista que estamos falando de um homem do século XIX (Tex) frente a um fenômeno para o qual sua cultura não o preparou para entender (extraterrestres).
 

zagor1Parte II: Zagor

Zagor é uma mistura de Tarzan ou Fantasma com Tex. Para criar um Zagor basta bater em um liquidificador um cowboy, um aventureiro pulp e um super-herói, e ter o talento de Guido Nolitta (roterista criador do personagem). O nome Zagor é uma abreviação de Za-gor-te-nay, ou seja, “O espírito da machadinha”. Zagor possui extraordinários reflexos e dotes atléticos e é extremamente hábil no uso de sua machadinha. Os seus feitos, além da impressão causada por suas vestes (azul e vermelha, com um símbolo enorme no peito) e por seu grito de guerra (AAHHYAAKK!) o fazem ser considerado pelos índios como uma espécie de semi-deus enviado por Manitú.
O herói vive naquela que seria a época da consolidação dos Estados Unidos como nação e início da expansão americana para o Oeste, mais ou menos nos anos de 1830. Nesta época os Estados Unidos já haviam adquirido (em 1803), através de compra, o enorme território da Louisiana, que dobrou a extensão territorial do país. Uma segunda guerra sem vencedores tinha sido travada com os britânicos, a Guerra de 1812, os Estados Unidos também tomaram a força a Florida Ocidental (administração de James Madison) e compraram a Florida Oriental (administração Moore).
Já na década de 1830, o governo federal deportou forçosamente tribos indígenas do sudeste do país para territórios menos férteis no oeste. Este caso foi parar na Suprema Corte americana, que julgou o caso a favor dos indígenas. Mesmo assim, o Presidente americano na época, Andrew Jackson, ignorou o mandato da Suprema Corte. Esta história foi contada numa das melhores histórias já escritas de Zagor “A Longa Marcha” , publicada em Zagor Especial 8 e 9, em um total de 330 páginas de aventura.

 

Na fictícia floresta de Darwwood, que teoricamente existiria no triângulo que forma as fronteiras dos estados da Pensilânia, Virgínia Ocidental e Ohio mora Zagor, que busca defender os indígenas do local (vale destacar que nenhuma reserva indígena existe atualmente nesta área). Além das tradicionais histórias de faroeste, como aquela apresentada no recente Zagor Especial 30 anos de Brasil “Homens na Tempestade”, Zagor também se vê as voltas com vampiros, druidas, lobisomens, robôs, mutantes, bandidos super inteligentes e até extraterrestres.

 

 

Na história “O Raio da Morte”, Zagor n.º 6 da Editora Record (edição muito lembrada pelos fãs do personagem por ter tido 432 páginas de história, graças ao empenho editorial de Otacílio d’Assunção Barros, ou simplesmente OTA, o eterno editor da MAD no Brasil), Zagor enfrenta alienígenas do planeta Akkron, aliados ao cientista Hellingen, no meu entender o inimigo mais perigoso de Zagor. Na história Zagor quase é derrotado pela tecnologia superior dos
alienígenas (vale lembrar que estamos em 1830, e nem se quer temos rifles de repetição).

Por fim Zagor consegue vencer os alienígenas, para tanto usar armas místicas, que anteriormente foram usadas por um lendário guerreiro indígena. Pode até parecer uma histórias absurda, um sujeito que luta com arco e flecha contra alienígenas, mas no trama geral da história este aparente absurdo se torna coerente, em uma história muito bem escrita. Recentemente o cientista Hellingen reapareceu nas histórias de Zagor ainda tentando usar a tecnologia dos alienígenas de Akkron para vencer Zagor (Zagor Extra, Editora Mythos, n.° 41 e 42).

Mais recentemente na revista mensal de Zagor n.° 81 e 82 (Mythos Editora) foi publicada a história em duas parte O fogo que veio do Céu (1º parte ) e Ameaça Alienígena (2º parte), nesta história uma nave alienígena cai em Darkwood. Zagor e Chico vão investigar o local do impacto e descobrem que um dos pilotos, de aparência monstruosa, está morto, enquanto outro sobreviveu e vaga pela floresta. Alguns caçadores e índios se depararam com o monstro e entram em confronto com o mesmo.

Enquanto Zagor sai atrás dos rastros do extraterrestre, Chico alertar a aldeia Onondaga que fica próxima sobre a ameaça. Mas quatro guerreiros saem à caça do monstro ao mesmo tempo em que um caçador (que assassinou um homem e uma mulher numa fazenda) se aproveita para jogar a culpa dos homicídios no alienígena.

Quando Zagor consegue fazer contato com o alienígena descobre que ele não é a ameaça que todos pensam, mas, não convence um grupo de caçadores que passa a perseguir Zagor e o alienígena. Por fim o alienígena é resgatado por outra nave e todos compreendem o erro de julgamento cometido sobre o alienígena (perpetuado pelo caçador que queria esconder seus crimes).

Vale ressaltar que o alienígena presente nesta história tem semelhança visual com aquele do filme “O Predador” estrelado por Arnold Schwarzenegger, enquanto os alienígenas da história “O Raio da Morte “, os akkronianos, tinham semelhança visual com os tradicionais Grays, aqueles alienígenas cinzentos que são capas de revistas de ufologia e aparecem em séries como Taken e Arquivo X. É isso ai! No próximo mês teremos a terceira e última parte deste artigo, agora comentando uma aparição alienígena nas histórias de Mágico Vento.

magico-vento1aParte III: Mágico Vento

Mágico Vento é uma das melhores HQs seriadas que já aportou em terras brasileiras. Cada história é mais surpreendente que a outra, sem falar que os roteiros são bastante diversificados, com histórias de faroeste, terror (em geral envolvendo mitologia indígena),
misticismo, espionagem, guerra e intrigas políticas.
Entre tal variedades de temas, certamente não podia faltar uma história de ficção científica. História esta publicado no n.° 41 “Os
Replicantes”. Mas antes de comentar esta história em especifico vamos falar um pouco do personagem Mágico Vento.
Mágico Vento é na verdade o nome indígena de Ned Ellis, único soldado sobrevivente de um massacre, ocasião esta em que teve cravado em sua cabeça um estilhaço de metal, este lhe proporcionou o dom de ter visões, mas lhe causou a perda de sua memória.

 

Ned Ellis é então encontrado pelo xamã Cavalo Manco dos Sioux, indigenas do norte dos Estados Unidos, e uma das ultimas nações indigenas a se render aos brancos, após a famosa batalha de Little Big Horn. Nesta batalha, juntos a outras nações indigenas, os sioux derrotaram a 7° Cavalaria dos Estados Unidos sob o comando do General George Armstrong Custer.

 

 

Reconhecido por Cavalo Manco como um Waaytan (homem que tem o dom da visão), Ned Ellis passa a ser conhecido como Mágico Vento, e se torna um xamã sioux, treinado para substituir o velho Cavalo Manco. No decorrer de suas aventuras Mágico Vento estará envolvido com questões indigenas (tanto em batalhas como em seu papel como xamã), mas também com intrigas políticas (envolvendo uma poderosa sociedade secreta) e também tentando recuperar seu passado perdido.

Diversos personagens perpassam as histórias de Mágico Vento, mas é Willy Richards, um jornalista tão idêntico ao escritor Edgar Allan Poe que recebeu o apelido de POE, o companheiro inseparável de Mágico Vento, e aquele que da o norte das aventuras de espionagem desta série criada por Gianfranco Manfredi.

Manfredi é roterista, cineasta e romancista de grande renome na Itália, e com Mágico Vento criou um westerm inovador, misturando diversos gêneros, com uma diferença de outros faroestes como Tex e Zagor. Enquanto Tex tem apenas histórias dispersas fretando com outros gêneros, esta é a tónica de Mágico Vento, mas se em Tex certas aventuras são pouco críveis, assim como em Zagor, Mágico Vento consegue ser extremamente realista, mesmo quando estamos a volta com demônios e outras entidades místicas.

Na aventura “Os Replicantes” (n.° 41), Mágico Vento e Poe deparam-se com um atormentado jovem em uma instalação que serve como bar, pensão e mercearia. O jovem tem um pesadelo e acidentalmente começa um tiroteio, que só não vira um massacre devido a intervenção de Mágico Vento e Poe. Logo após o confronto índios da nação Mandan chegam e levam embora o misterioso jovem, que deixa para traz seus diários.

Nestes diários Poe e Mágico Vento ficam sabendo da existência de um Observatório Astronómico nas imediações, no qual Theo (nome do rapaz) trabalha como ajudante de um astrônomo, assim como os índios mandans que o levaram. Em uma noite de observação os dois presenciaram a queda de um meteoro, que traz em seu interior misteriosos ovos, após algumas observações descobre-se que estes ovos contém um liquido replicante, capaz de criar copias iguais de qualquer animal. O astrônomo decide então testar o liquido em um índio mandan, descobrindo-se que pode-se replicar até seres humanos, entretanto a copia é sempre mais forte que o original e acaba por matar o mesmo.

Theo atormentado foge para alertar a comunidade científicas destas experiências, mas como já o sabem Mágico Vento e Poe, ele foi capturado novamente pelos índios Mandan que servem o astronômo.

Neste ínterim Mágico Vento conta a Poe a lenda das três raças, lenda indígena segundo a qual as três raças humanas teriam sido criadas a partir da queda de meteoros trazendo um líquido misterioso. O meteoro que caiu no mar, criou os brancos; o que caiu na lama, criou os negros; e o que caiu no solo firme, criou os indigenas (a raça amarela não aparece na lenda que foi elaborada provavelmente antes de qualquer contato entre indigenas e pessoas desta raça).

No decorrer da história ficamos sabendo que o novo meteoro descoberto por Theo e pelo astrônomo esta, a partir das copias feitas pelo astrônomo dos índios mandans, produzindo uma nova raça, mais forte, para dominar a humanidade. Por sorte Mágico Vento e Poe destroem o líquido alienígena, após um terrível confronto com as copias já produzidas.

Uma belíssima história, com roteiro impecável de Manfredi e desenhos super realistas de Sicomoro, que juntos conseguem apresentar ao leitor uma história unindo faroeste, ficção científica e terror.

Mesmo com tantos gêneros se entrecruzando à história consegue ser bastante crível e em nem um momento corre o risco de virar um pastiche, como poderia facilmente acontecer com um roterista menos talentoso.

Em nossos próximos artigos abordaremos outras histórias de Mágico
Vento, dando ênfase não só nas histórias em si, mas também no rico
contexto criado por Manfredi.
Por Edgar Indalecio Smaniotto, filósofo, mestre e doutorando em Ciências
Sociais. Contato: edgarsmaniotto@gmail.com
Publicado no Jornal GRAPHIQ 22, 23 e 24 (set./out./nov.), 2008.

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