LITERATURA FANTÁSTICA: A HORA DO ESPANTO

segunda-feira | 23 | maio | 2011

Autores gaúchos tentam, na raça,
popularizar a literatura fantástica no Estado

Eles não têm medo de assombrações. E, se for o caso, não hesitam em escrever sobre elas – ou sobre vampiros, bruxas, ETs e até entidades do folclore campeiro

São os exemplares heroicos mas cada vez mais numerosos de uma geração de escritores que quer quebrar o preconceito contra a literatura de gênero produzida no Estado. Uma turma – porque não são um movimento – interessada não apenas em ser uma “cena”, mas em chegar ao público.

Depois que Harry Potter e a saga Crepúsculo ampliaram ao longo da última década e meia o alcance da literatura fantástica para milhões, esse tipo de narrativa se popularizou também no Brasil – chamando atenção mesmo para autores que já estavam por aí bem antes, como o paulista André Vianco, campeão nacional de vendas com histórias de vampiro anos antes da saga Crepúsculo.

– Para surgirem publicações de fantasia, é preciso uma geração de editores que cresceram lendo fantasia. Cada geração tem potencial para formar a próxima, ainda maior. A fantasia épica chegou mais tarde ao Brasil. Surgiram umas poucas editoras nos anos 80 e 90, que fomentaram as editoras novas que estão agora publicando as suas próprias obras. Imagino que a geração Harry Potter vá aumentar ainda mais este fenômeno – diz Christopher Kastensmidt, americano residente em Porto Alegre e conhecedor de ambos os mercados, o de lá e o daqui.

No Rio Grande do Sul, os últimos anos viram surgir antologias voltadas para a literatura de gênero. A série Ficção de Polpa, da Não Editora, organizada por Samir Machado de Machado e já em seu quarto número, é uma delas. As Sagas, da Editora Argonautas, fundada pelos também escritores Cesar Alcázar e Duda Falcão, estão no segundo volume. Ambas apresentam contos de autores locais e nacionais, oferecendo um panorama abrangente da ficção de gênero no Brasil. São experiências que podem ajudar a quebrar a grande barreira entre os autores e o público – erguida principalmente pelos problemas de distribuição e edição do mercado literário tradicional.

– As novas editoras usam a inteligência para ocupar o vácuo deixado pelas grandes. São espaços que outrora foram ocupados por escritores famosos que vendiam muito literatura fantástica, como Cortázar ou Borges. Na ausência de novos grandes, as editoras acabam se contentando com relançamentos. É aí que entram as pequenas, lançando autores menos conhecidos, com contos inéditos para alimentar os apreciadores de novidades do gênero – diz Cleo de Oliveira, autor de Descontágio (Scortecci Editora) – livro em que alguns contos se valem de recursos do fantástico.

As vertentes da fantasia no Estado vão desde jovens escritores que criam histórias usando os temas recorrentes na atual ficção internacional de gênero, como vampiros, seres imortais ou anjos, a autores que aproveitam a realidade nacional e os temas de seu folclore para criar sua narrativa. Kastensmidt foi recentemente indicado ao Nebula, um dos prêmios internacionais mais importantes dedicados à literatura fantástica, narrando o encontro de um aventureiro holandês com o Saci-Pererê no Brasil do século 17. Outra autora que se utiliza da matriz local para contar suas histórias é Simone Saueressig, nascida em Campo Bom mas residente hoje em Novo Hamburgo. Seu recentemente lançado Aurum Domini: o Ouro nas Missões (Artes & Ofícios), é uma aventura histórica passada no século 19 que explora a lendária fortuna em ouro supostamente guardada pelos jesuítas nas missões.

– Tenho confiança no valor do nosso material próprio, nosso folclore, nossa história. Nossas lendas são um material tão rico quanto qualquer outro para se fazer literatura. Sempre tenho aquela noção de que um livro estrangeiro vem cheio das noções de moral, de honra, de postura política do país ou do segmento em que ele foi escrito. Então creio que nós autores nacionais temos de apresentar nossa visão, também, como espécie de resposta – diz Simone.

Rede macabra
Internet concentra os debates e populariza a literatura fantástica
Dois fenômenos formam o eixo da literatura fantástica produzida no Estado: o uso da internet como ferramenta de divulgação e um bom número de trabalhos produzidos por autores do Interior. Ambos estão relacionados: com a rede, quem produz fora da Capital ganha leitores e se sente encorajada a continuar produzindo.

Muitas das publicações de e sobre literatura fantástica no Estado estão na internet. Uma das mais conhecidas revistas virtuais sobre o gênero é a Fantástica, editada por um escritor que trabalha em Porto Alegre e mora em Sapucaia: Luiz Ehlers, 30 anos. A Fantástica traz resenhas, ensaios e reportagens com foco na ficção produzida exclusivamente no Brasil, de sucessos como André Vianco, Eduardo Spohr (A Batalha do Apocalipse) e Rafael Caldela (gaúcho autor da série Tormenta, da editora Jambô), até jovens cuja repercussão ainda se dá principalmente no universo online. Conta, também, com articulistas de todo o Brasil.

– Muitos colaboradores ficaram surpresos quando a revista surgiu, acharam estranho que uma iniciativa dessas fosse editada aqui em vez de em São Paulo, por exemplo – diz Ehlers, engenheiro-químico de formação mas escritor fantástico por opção.

A Fantástica é um dos elementos mais visíveis de um fenômeno com a marca da web: a proliferação de fóruns, revistas, portais e blogs que servem como espaço de crítica e reflexão sobre a literatura de gênero à margem da grande imprensa. Feitos na base da paixão comum, muitos desses sites angariam colaboradores de todo Brasil e são mantidos por gente jovem disposta a compartilhar suas leituras. É o caso do Sobre Livros, blog editado desde 2009 por dois jovens da cidade de Encantado: os gêmeos Tiago e Rafael Casanova, 22 anos. O blog tem parcerias com editoras e funciona como um portal do cenário nacional da ficção de fantasia – no espírito “faça você mesmo” que caracteriza a geração das redes sociais:

– Planejávamos criar uma rede social literária e constatamos que não havia muitos sites voltados apenas para literatura de gênero no país. Nenhum dos poucos sites encontrados preenchia os requisitos pensados por nós, decidimos criar o Sobre Livros, para tentar conseguir e propagar essas informações – dizem ambos, em entrevista por e-mail.

A rede também tem servido para publicar – há um bom número de obras publicadas diretamente na internet. Vencedor do Fumproarte para um financiamento do seu primeiro livro, a fantasia infanto-juvenil O Rei e O Camaleão, Christian David, 38 anos, publicou recentemente uma antologia online e gratuita de ficção fantástica local: O Mal Bate à sua Porta.

– O potencial da internet ainda engatinha na literatura. A parceria com os blogs é interessante, porque eles fazem um trabalho de divulgação muito joia que dá visibilidade ao autor. No portal Skoob 50 leitores resenharam meu primeiro livro, espontaneamente – diz David.
>> ZERO HORA – por Carlos André Moreira


“HEGEMONIA”: PROJETO QUE LEVA FICÇÃO CIENTÍFICA PARA SALAS DE AULA GANHA PRÊMIO SOCIOAMBIENTAL

segunda-feira | 23 | maio | 2011

O projeto “Pensando o futuro de Macaé” da Secretaria de Educação ganhou, nesta quinta-feira, 19 de maio, o Prêmio de Responsabilidade Social da Revista Visão. A cerimônia ocorreu às 19h na Cidade Universitária no último dia da IV Feira de Responsabilidade Social Empresarial Bacia de Campos com as presenças de Fernanda Falquer (Onip), Rita Bersot (Acim), Aristóteles Riani (Sebrae-RJ), Gustavo Miguelez (Instituto Crescer), Rita Ippolito (consultora) e dos realizadores do Prêmio, os diretores da Revista Visão Socioambiental Bernadete Vasconcellos e Martinho Santafé, além do secretário de Meio-Ambiente, Maxwell Vaz, que entregou o prêmio, e da vice-prefeita, Marilena Garcia.

O projeto foi criado pelo escritor e jornalista Clinton Davisson em 2009 e visa o incentivo da leitura em salas de aula através da ficção científica e propondo conexões interdisciplinares envolvendo língua portuguesa, literatura, ciências, educação artística, geografia e história.  Tudo isso a partir de seu livro “Hegemonia – O Herdeiro de Basten”, que é considerado um dos mais importantes do gênero escrito no Brasil. “A idéia veio durante um encontro durante um evento  em São Paulo, chamado Fantasticon, onde foi sugerido que o caminho, para os escritores de fantasia e ficção científica no Brasil, estava em buscar uma interação maior com as salas de aula para formar novos leitores. Depois de uma experiência bem sucedida em Rio das Ostras, a idéia cresceu e tomou proporções maiores em Macaé e o livro está em todas as 110 escolas do município. Podemos citar o diretor de cinema, Ed Wood, quando digo que devemos incentivar nossos estudantes a começar desde cedo a pensar no futuro, porque é lá que passarão o resto da vida deles”, conta Clinton que dedicou o prêmio à coordenadora de Leitura da Secretaria de Educação, Maria Georgina de Sousa. “Ela leu o livro e se empolgou muito. Organizou as visitas em sala de aula, falou com professores das bibliotecas escolares e convenceu a todos que era possível. Sem ela, a coisa não decolaria do jeito que decolou”, completa.

Em novembro de 2010, o projeto já havia ganhado em São Paulo o prêmio Mary Shelley por incentivo a leitura de ficção científica em salas de aula. A entrega foi realizada durante o maior encontro nacional de aficionados do gênero. Este ano, o projeto entra em nova fase e lançará um concurso de contos entre os alunos com o tema: “Como será Macaé no futuro”.

O livro mistura fantasia e ficção científica ao contar a história de um jovem que estudou em uma civilização avançada durante anos e depois retorna para seu planeta subdesenvolvido e  participa de uma guerra que envolve humanos, sereias, fadas e dragões. O autor afirma ter se baseado na própria vivência em Macaé para criar a obra, que conquistou elogios internacionais e ganhou prêmios em todo o Brasil, incluindo o prêmio Nautilus da revista Scifi-News.

A vice-prefeita, Marilena Garcia, ressaltou a importância de reflexões sobre o futuro do município. “O petróleo é um recurso limitado. Mesmo com as novas descobertas do pré-sal, que propicia uma sobrevida, temos que pensar em alternativas para o futuro de nossa cidade. Isso é obrigação de cada cidadão que vive aqui”, diz.
>> PURPLEALIENS – por Equipe Semed


INDICAÇÕES FANTÁSTICAS: “CYBER BRASILIANA”, DE RICHARD DIEGUES, ESTREIA NOVO PROGRAMA

segunda-feira | 23 | maio | 2011

A escritora Carol Chiovatto colocou no ar na Revista Fantástica sua nova coluna: INDICAÇÕES FANTÁSTICAS.

Trata-se de um projeto que pretende indicar livros em forma de resenha/entrevista em vídeo com os autores dos livros.

Os vídeos terão periodicidade quinzenal, alternando com textos.

Indicações Fantásticas 01


PELO LUXO DE UMA LITERATURA DO TIPO “MENOR”

segunda-feira | 23 | maio | 2011

“Onde está a nossa J.K. Rowling?”, pergunta uma pessoa na plateia. “Onde está o nosso Stephen King? A nossa Stephanie Meyer?”, a pessoa continua. “Por que o Brasil não produz best-sellers de ficção fantástica ou fantasia, que interesse aos jovens?”. Essa saraivada de perguntas pode ser ignorada e descartada como tola por um sujeito posando de erudito, que responderia algo como: “Que bom que não temos essas porcarias! O primeiro mundo que produza esse lixo para exportação”. Tal resposta, uma fuga para dentro da torre tranquila e segura da “alta cultura”, finge que os questionamentos da pessoa na plateia não são perturbadores. Mas eles são, sim, muito desconfortáveis.

A saga Harry Potter e a saga Crepúsculo podem não ter a densidade psicológica de um romance de Flaubert nem a voracidade estilística de um texto de Joyce. E, no entanto, são esses livros que servem de porta de entrada para o novo leitor. Tirando algumas notáveis exceções, a maior parte dos leitores é formada a partir de uma Literatura mais despretensiosa e imaginativa. Parece-me muito mais provável que um adolescente se interesse por livros a partir de um contato com um assustador conto de terror de Lovecraft do que com um chatíssimo romance de José de Alencar que será obrigado a ler no colégio. De modo que, nos dias de hoje, a literatura chamada “menor” (chamada, catalogada e definida por críticos, mas é uma definição que pode e deve ser constantemente questionada) tem uma função social importantíssima. A ela devemos a formação de leitor. E a voz anônima da pessoa na plateia continua ressoando: “Por que não temos uma J.K. Rowling no Brasil?”

A bem da verdade, existe, sim, muita gente tentando escrever esse tipo de ficção. No meu trabalho como editor na independente Não Editora, já recebi pilhas e pilhas de originais que prometiam, na sinopse ou no e-mail de apresentação, ser “o novo Código da Vinci”, “o novo Senhor dos anéis” e outros absurdos. Pelos exemplos que li, nunca nem chegaram perto disso, às vezes impedidos por uma completa falta de noção do autor de estrutura narrativa ou até mesmo do que fazer com a língua portuguesa. Muitos novos escritores esquecem que, para escrever um bom romance, é necessário, antes de mais nada, ser um excelente leitor.

Para além desses casos de “tentativas frustradas”, há exemplos de tentativas muito mais bem sucedidas. O escritor paulista André Vianco, por exemplo, emplacou um belo sucesso com sua saga vampiresca, muito antes da moda dos virginais vampiros de Crepúsculo. Outro caso mais recente é o de Eduardo Spohr, cujo enorme romance A batalha do apocalipse fez um grande barulho ao ser reeditado pela Verus, novo selo da Record, após vender milhares de cópias.

É um fenômeno recente que vem ganhando força. São livros que não encontraram espaço nas discussões da crítica (muito dificilmente veremos um desses livros resenhados no Rascunho, no Sabático ou concorrendo na Copa de Literatura Brasileira), mas que estão cavando, pouco a pouco, seu nicho no mercado. Então, talvez não seja muito arriscado dizer que nossa J.K. Rowling e nosso Stephen King podem estar a caminho.

Uma pergunta precisa ser feita: o que esses novos autores e livros representam? Bem, antes de mais nada, um mercado literário saudável. O grande escritor chileno Roberto Bolaño, falecido em 2003, comentou, em entrevista para Carmen Boullosa,sobre o assunto “escrever ficção de gênero na América Latina”. A resposta dele é surpreendente e interessante, e acho que podemos aprender muito com o que Bolaño (um admirador da prosa fantástica, ainda que ele não fosse um praticante do gênero) tem a dizer sobre o tema:

“Escritores que cultivaram o gênero fantástico, no sentido mais restrito do termo, temos muito pouco, para não dizer nenhum, entre outras coisas porque o subdesenvolvimento não permite a literatura de gênero. O subdesenvolvimento só permite a obra maior. A obra menor é, na paisagem monótona ou apocalíptica, um luxo inalcançável. Claro, isso não significa que nossa literatura esteja repleta de obras maiores, muito pelo contrário, mas sim que o impulso inicial só permite essas expectativas, que logo a mesma realidade que as propiciou se encarrega de frustrar de diferentes modos.”

Trata-se de uma explicação bastante sociológica. Uma certa pobreza no nosso mercado literário levaria todos os nossos escritores a buscarem ser “o novo Guimarães Rosa”, “a nova Clarice Lispector”, mais do que produzir uma ficção fantástica despretensiosa e divertida. Apesar de todos os exemplos que citei acima de como esse cenário tem aos poucos mudado no Brasil, ouso dizer que a turma da “ficção fantástica” ainda está em minoria.

Minoria, sim. Em amplo crescimento. Seria possível, me pergunto, estabelecer uma relação entre um desenvolvimento econômico no Brasil e um desenvolvimento de um mercado literário mais profissional, com espaço para a ficção de gênero de apelo comercial e popular? Afirmar tal coisa, assim, no mais, sem uma vasta pesquisa histórica da formação intelectual e literária do país, é irresponsável, então não farei isso. A hipótese, porém, não deixa de ser interessante. Se nos encontramos em um dia particularmente otimista, podemos até especular que, com a profissionalização do nosso mercado literário, haverá um crescimento do público leitor de ficção nacional, mais aberto, talvez, para as “grandes obras”.

Uma das reclamações mais comuns (a ponto de se tornar irritante) entre os escritores brasileiros é o da falta de público leitor, de como a Literatura se tornou um gueto minúsculo. Estima-se, por exemplo, que não existe mais do que cinco mil pessoas em todo o país interessadas na nova ficção nacional. Por esse motivo que raramente um livro brasileiro lançado por grande editora tem uma tiragem superior a três mil exemplares. Uma primeira tiragem, por sinal, que quase nunca se esgota.

A formação do público leitor, como se já se argumentou acima, geralmente se dá através de livros “menores” (classificação que sempre usarei com aspas irônicas) importados. O que aconteceria se essa nova turma da ficção de gênero nacional se solidificasse por aqui? Se o público leitor futuro se formasse lendo André Vianco e Eduardo Spohr? Seria esse novo público mais aberto à ficção produzida em solo brasileiro? As especulações são muitas, e quanto mais se pensa sobre o assunto, mais os questionamentos se multiplicam.

Há intelectuais que afirmam que é uma estupidez achar que Harry Potter forma futuros leitores. Leitores de Harry Potter serão, no máximo, futuros leitores de Dan Brown, não de “ficção séria”, para eles. O argumento prossegue, afirmando que quem assiste à telenovela não necessariamente assistirá a filmes de Godard e Bergman, no futuro.

Apesar de ser verdade que muitas crianças que se apaixonaram pela saga do bruxinho nunca mais lerão nada na vida, também é certo de que ler não é a tarefa mais fácil do mundo. Em um universo com dezenas de estímulos audiovisuais por todos os lados, retirar-se para um canto para ler será considerado cada vez mais um hábito excêntrico. A leitura, além de não permitir a passividade da televisão, exige o cultivo da solidão e do silêncio. Ler, portanto, não é natural, nem fácil ou passivo. A leitura não pode ser feita com o cérebro desligado, em um jantar com os amigos, e aprender a ler se assemelha a um exercício, que precisa ser repetido até tornar-se um hábito.

Apesar da nova ficção fantástica nacional não me interessar em particular, sinto que ela tem uma função essencial no sistema literário. Se ela formará novos leitores, se formará novos interessados por prosa nacional, isso o tempo dirá. Uma coisa é certa: mal não faz. Talvez tenha chegado a hora de celebrar este momento no qual finalmente o Brasil pode se dar ao luxo de ter uma Literatura… não “menor”, nem “despretensiosa”. Digamos “diferente”. Se damos espaço para o diferente, temos, como consequência, um sistema variado, plural, repleto de nichos. Quer coisa melhor que isso?
>> SUPLEMENTO PERNAMBUCO – por Antônio Xerxenesky


LITERATURA BRASILEIRA E O COMPLEXO DE VIRA-LATA

segunda-feira | 23 | maio | 2011

Num artigo do escritor gaúcho Antonio Xerxenesky, encontro esta citação – que não conhecia – retirada de uma entrevista do chileno Roberto Bolaño, um dos grandes renovadores da prosa de ficção nos últimos vinte anos, morto em 2003. Bolaño esboçou uma instigante tese de fumaças marxistas sobre a quase total ausência de uma ficção de gênero no cenário da literatura latino-americana: o subdesenvolvimento não deixa. O que ele diz sobre o fantástico pode ser transposto sem dificuldade para a ficção científica, o policial, o terror e qualquer dessas províncias onde moram as obras “menores” que, embora passem nos últimos anos por uma efervescência inédita no Brasil, a chamada grande crítica costuma desprezar:

Escritores que cultivaram o gênero fantástico, no sentido mais restrito do termo, temos muito poucos, para não dizer nenhum, entre outras coisas porque o subdesenvolvimento não permite a literatura de gênero. O subdesenvolvimento só permite a obra maior. A obra menor é, na paisagem monótona ou apocalíptica, um luxo inalcançável. Claro, isso não significa que nossa literatura esteja repleta de obras maiores, muito pelo contrário, mas sim que o impulso inicial só permite essas expectativas, que logo a mesma realidade que as propiciou se encarrega de frustrar de diferentes modos.

Parece um paradoxo e talvez seja mesmo, mas, se for, é um paradoxo que nos constitui culturalmente e que pode ser identificado em campos variados. O campo de futebol, por exemplo. O subdesenvolvimento cultural levou a crônica esportiva brasileira a cultivar, entre os anos 40 e o fim dos 50 do século passado, aquilo que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”. Cobrava-se da seleção brasileira que fosse simplesmente a melhor do mundo, que humilhasse todas aquelas potências diante das quais nos sentíamos naturalmente humilhados. Como a seleção (até a Copa da Suécia, em 1958) mostrava-se incapaz de fazer isso, tínhamos a cada fracasso uma desilusão devastadora que parecia provar essa dura verdade: pobres, feios, analfabetos, desdentados, com a barriga cheia de vermes, nunca prestaríamos para nada.

Agora peço ao leitor que tenha alguma paciência e, pondo de lado o fato de Lula ter dilapidado a credibilidade das metáforas futebolísticas pelos próximos cinquenta anos, pense no modo como nosso ambiente literário – e não só a crítica acadêmica, embora ela se esmere nesse aspecto – tende a valorizar quase exclusivamente o Grande Livro, isto é, aquele que pode aspirar ao título mundial. E, como não o encontra, decreta à boca pequena ou ao megafone, dependendo do estilo de cada um, que não prestamos mesmo para nada. Isso faz um tremendo sentido bipolar: quem não se garante considera um fracasso vexaminoso tudo o que não seja a redenção incontestável.

Ampliando um pouco a tese de Bolaño – que é também a de Xerxenesky, autor de um livro pop, “Areia nos dentes”, que ousa enfiar zumbis num projeto literário mais ambicioso – eu arrisco dizer que essa mentalidade de vira-lata, ou de adolescente inseguro, não cria um ambiente hostil apenas para a literatura de gênero. A maior parte do campo da dita literatura séria também sofre, pois dominar a velha arte narrativa, ainda que com sofisticação, ainda que propondo novidades sutis de tema ou arquitetura, nunca bastará. Quem precisa de bons artesãos, de bons jogadores? Só o gênio interessa. Daí a presença ridiculamente inflada de ideias como ruptura e revolução na conversa literária. É preciso romper com tudo, isto é, reinventar o jogo, humilhar os adversários. É preciso que um neguinho de 17 anos faça gol dando lençol dentro da área na final.

Claro que, na vida real, quanto mais desprezamos as divisões de base, os torneios de várzea, os clássicos regionais, mais difícil se torna o surgimento de um Pelé. Como diz Bolaño, a mesma realidade que inspira a expectativa elevadíssima se encarrega de frustrá-la. Não admira que os leitores andem escassos nas arquibancadas.
>> VEJA – por Sérgio Rodrigues


O QUE É MAINSTREAM?

domingo | 22 | maio | 2011

O conceito de “mainstream” literário é tipicamente um conceito da mentalidade norte-americana. O primeiro indício disto é que até hoje não temos um termo brasileiro que o exprima. Há quem use “corrente principal” (que parece jargão de engenharia elétrica), “tronco literário” (idem da engenharia florestal). Eu uso geralmente um circunlóquio como “a literatura propriamente dita”, que me parece horrivelmente vago. “Mainstream” é usado em inglês para exprimir um modo como os norte-americanos visualizam a literatura: um enorme rio que tem uma correnteza principal, como o Nilo, e que como o Nilo se subdivide eventualmente num delta de correntezas menores, que seriam os gêneros (policial, terror, amor, faroeste, etc.), as quais, contudo só existem porque são um mero desvio de uma parte das águas dessa correnteza maior, que é o rio propriamente dito.

Quando os norte-americanos falam “mainstream” eles estão querendo dizer algo como: “o moderno romance realista urbano, que descreve a vida de tipos humanos reconhecíveis em ambientes humanos reconhecíveis, e que nos faz revelações sobre a estrutura sócio-histórica-econômica do ambiente, e sobre o perfil psicológico dos personagens”. Este é o modelo literário dominante no mundo ocidental, desde a crítica literária da imprensa e dos jornais aos estudos universitários. O fato de corresponder a uma fatia muito estreita da produção literária não tem importância. A “corrente principal” não é principal por causa da quantidade, mas por causa do seu mero poder de se impor como modelo. Esse tipo de livro tem credibilidade e poder político, um poder meramente espiritual, mas nem por isto menos poderoso. Tem a maioria dos críticos, dos professores e dos acadêmicos ao seu lado. E é um modelo que vem sendo aperfeiçoado há pelo menos duzentos anos.

No Brasil, esse mainstream se divide no realismo social-histórico e no realismo psicológico. Quando um autor pertencente a uma destas tendências começa a exagerar certos traços, começa a se desprender do mainstream. Rubem Fonseca, por exemplo, volta e meia parece estar sendo empurrado para o gueto da literatura policial, mas sempre retorna à corrente principal. (Entre outras coisas, porque a crítica não quer abrir mão dele.) Como o brasileiro culto tem obsessão por História, o romance histórico é entre nós parte do mainstream, e não da literatura de gênero.

Quando é que um conjunto de textos sai do mainstream e constitui um gênero? Eu diria que é quando ele cria um público próprio, um mercado próprio, um sistema de feedback (críticas, resenhas, publicações) próprio e passa a não precisar do sistema do mainstream. Ocorreu isso com a ficção científica dos EUA, e é irônico que ela, depois de se tornar independente do sistema maior, sofra hoje a nostalgia de não ser aceita por ele. Isso se dá provavelmente porque o mercado (apesar de imenso, comparado ao brasileiro) é pequeno, comparado ao mercado mainstream norte-americano.
>> MUNDO FANTASMO – por Bráulio Tavares


ASSEMBLEIA ESTELAR”, MARCELLO SIMÃO BRANCO

segunda-feira | 16 | maio | 2011

Pode ser que eu esteja enganado, mas tenho a impressão de que já houve época em que os contos de ficção científica eram mais presentes no Brasil. Claro, já tivemos algumas revistas dedicadas ao gênero, o que facilitava as coisas, mas os livros com contos também eram mais numerosos.

E é bom que se diga que alguns dos melhores momentos da ficção científica estão nos contos, sem desmerecer os imensos volumes que vêm sendo produzidos ultimamente, às vezes em trilogias, quadrilogias e outras “gias” – alguns com histórias realmente espetaculares.
Hoje, uma das editoras que tem se dedicado à publicação dos contos do gênero é a Devir, que apresenta agora esteAssembleia Estelar, que comprova que tamanho não é documento, fazendo uma coletânea excelente do que foi chamado pelo editor de “histórias de ficção científica política”, com autores brasileiros e estrangeiros.

E o livro já inicia muito bem, com uma introdução de 26 páginas, “Afinidades Eletivas Entre Ficção Científica e Política”, escrita pelo editor Marcello Simão Branco, que por si só já valeria o livro. Ele não só apresenta algumas definições e características da política, como estabelece a relação entre ela e a literatura de ficção científica. Além disso, elabora um painel histórico das obras que circulam direta ou indiretamente pelo subgênero “fc + política”, o que mostra, entre outras coisas, a abrangência do gênero e a facilidade com que transita pelos mais variados temas.

E variadas também são as abordagens fornecidas nos contos do livro, o primeiro deles, “A Queda de Roma, Antes da Telenovela”, escrito pelo português Luís Filipe Silva, já conhecido dos fãs de fc no Brasil, em particular pelos excelentes Galxmente e Terrarium (escrito com João Manuel Barreiros). Aqui, ele imaginou um futuro com um sistema de votação que se aproximasse da perfeição, exatamente por dispensar tanto os políticos quanto seus discursos vazios, centrando-se em resoluções baseadas na lógica e na real necessidade da nação e seus habitantes.

O segundo conto é “Anauê”, do brasileiro Roberval Barcellos. Para quem ainda não sabe, “anauê” era a antiga saudação dos integralistas brasileiros. Barcellos segue um tipo de história do gênero que se tornou bastante comum entre os escritores nacionais. Imagina que, em determinado momento da história, certos acontecimentos levaram-nos em outra direção. No caso, os integralistas de Plínio Salgado derrubaram o governo de Getúlio Vargas, estabelecendo uma aliança com os nazistas, que venceram a Segunda Guerra Mundial. A partir daí, o autor desenvolve o que teria sido a sociedade brasileira do futuro nos anos 1980.

Também está presente na coletânea André Carneiro, um dos mais importantes escritores do gênero no Brasil, com o conto “Gabinete Blindado”, que remete aos anos da ditadura militar no País, contado por uma personagem em forma de memórias resgatadas, entremeadas a dúvidas e lembranças emotivas.

Roberto de Sousa Causo apresenta o conto “Triunfo de Campanha”. Causo é um dos nomes mais importantes do cenário da fc nacional, e costuma utilizar muito bem o ambiente militar para compor suas histórias, e aqui não é diferente. O conto faz parte de uma série de aventuras com o personagem Jonas Peregrino, numa galáxia cada vez mais povoada e colonizada por humanos. A história não traz qualquer ação militar propriamente dita, mas o envolvimento de militares nas tentativas de políticos em dominarem o ambiente, após o aparente e inexplicável término de uma guerra contra uma raça alienígena. A história trabalha muito bem com a forma pela qual os políticos utilizam figuras públicas, famosas, para atingir seus objetivos.

“Diário do Cerco de Nova York” foi escrito por outro dos excelentes escritores brasileiros do gênero, Daniel Fresnot, autor do sensacional livro A Terceira Expedição (1987). Cenário e narrativas excelentes que, apesar de se situar em Nova York, poderia perfeitamente ser aplicado para qualquer grande cidade do Brasil, nas quais alguns dos mesmos problemas se verificam. O centro do conto é, na verdade, a estupides humana e a facilidade com que políticos tomam decisões que afetam profundamente a vida de milhões de pessoas, sem sequer pestanejar. No caso, um prefeito de Nova York, insatisfeito com os pesados impostos que a cidade tem de pagar ao governo federal – tal como ocorre no Brasil – decide revoltar-se. Com o apoio da população, a revolta resulta num confronto armado com tropas federais.

“Saara Gardens”, de Ataíde Tartari, apresenta um mundo globalizado no qual os interesses econômicos das grandes corporações continuam tendo mais importância, utilizando-se dos políticos como ferramentas para obter o que desejam. No caso, é a transformação do deserto do Saara num verdadeiro jardim, abrindo caminho para uma especulação imobiliária como jamais se viu. Existem referências bem claras ao nosso famoso “jeitinho” de se fazer as coisas, com favorecimentos e negociatas envolvendo empreiteiras.

O conto de Miguel Carqueija – outro dos grandes nomes da fc nacional, surgido na chamada “segunda onda” do gênero no Brasil – apareceu originalmente no famoso fanzine Somnium, no final do anos 1980, compondo um cenário possível para o País no início do século 21, com, bastante ironia. Nesse futuro imaginado, tornou-se comum o assassinato de figuras políticas, com a população cansada de esperar que os políticos resolvessem os problemas da nação como deveriam, sem se envolver em escândalos atrás de escândalos.

Fernando Bonassi talvez seja mais conhecido como o autor dos roteiros dos filmes Lula, o Filho do Brasil e Carandiru, entre outros, mas também tem participação ativa no gênero. Aqui ele apresenta “A Evolução dos Homens Sem Pernas”, publicado originalmente numa antologia francesa, em 2009. Trabalha, com muita ironia e sarcasmo, com a possibilidade de mutações ocorrerem nos humanos a partir da evolução de algumas tecnologias, utilizadas sem qualquer controle. Interessante, também, que o conto é narrado no passado, dando um certo tom de conto de fadas.

Em “A Pedra que Canta”, vemos novamente Henrique Flory, que surgiu na fc nacional nos final dos anos 1980, com obras sensacionais que chamaram a atenção da crítica, antes de interromper sua produção do gênero e se dedicar a outras atividades profissionais. O conto foi publicado originalmente numa coletânea com o mesmo titulo, em 1991, e aqui ele traz uma nova versão da história de um conflito que se intensifica entre Brasil e Argentina, no ano de 2018. É uma boa oportunidade para quem ainda não conhece a obra do autor.

A excepcional escritora Ursula K. Le Guin tem publicado seu conto “O Dia Antes da Revolução”, escrito com sua capacidade habitual, mas que deverá ser melhor entendido por aqueles que conhecem seu livro Os Despossuídos (1974), uma vez que traz personagens e eventos que antecederam a história narrada na obra, que apresenta uma sociedade anarquista “quase” perfeita. O conto segue as lembranças íntimas de Laia Odo, a principal líder da revolução anarquista que mobiliza o planeta Urrás, momentos antes da rebelião se alastrar.

“O Grande Rio”, de Flávio Medeiros Jr., é uma excelente história de viagens no tempo, com ação iniciando-se num momento futuro de uma Terra alternativa, na qual o presidente John F. Kennedy não foi assassinado. Isso provocou uma alteração significativa no planeta, e para pior, de modo que um viajante tenta reverter a situação viajando no passado, mas encontrando inúmeras dificuldades.

Já bem conhecido do público de fc no Brasil, Orson Scott Card tem o conto “O Originista”, que tem como atração principal o fato de se situar no universo da série Fundação, de Isaac Asimov. Originalmente, foi publicado na antologia Foundation’s Friends (1989), no qual vários escritores elaboraram histórias baseadas no universo criado por Asimov. Até mesmo Hari Seldon está presente no conto, que centra-se no cientista Leyel Forska e sua esposa Deet, também cientista, e o envolvimento de ambos na construção da Segunda Fundação, detalhando as intrigas políticas existentes no gigantesco planeta Trantor, o centro do Império. É o conto mais longo do livro, e uma delícia; dá vontade de ler Fundação novamente.

“Questão de Sobrevivência” é de um dos autores mais atuantes e respeitados da fc nacional, Carlos Orsi. O conto foi publicado originalmente na revista Sci Fi News Contos, em 2001. Imagina a cidade de São Paulo no ano 2030, com uma crise social sem precedentes, que levou o centro da cidade a se transformar num acampamento de desfavorecidos, sofrendo com as consequências de um ataque anterior. Uma doença impede o aleitamento materno e crianças nascem com deformidades, mas uma empresa desenvolveu uma forma de “limpar” o leite, que revende a preços exorbitantes, mas apenas para os “favorecidos”. É um cenário terrível e desenvolvido com imensa competência.

Fechando o livro, o conto “Vemos as Coisas de Modo Diferente”, de Bruce Sterling, uma das figurinhas carimbadas da fc a partir dos anos 1980, sempre associado ao desenvolvimento do subgênero cyberpunk, ao lado de William Gibson. Aqui, ele compôs um cenário futuro em que o mundo islâmico se expandiu, e os EUA se tornaram um país com imensos problemas econômicos. E o contraste entre as sociedades é apresentado na narrativa de uma visita de um jornalista árabe aos EUA, onde pretende entrevistar um famoso cantor de rock, que também é um político em ascensão.

Trata-se de uma obra interessante, sempre instigante, e uma boa oportunidade; para aqueles que ainda não têm muita afinidade com a produção nacional de ficção científica, de conhecer alguns dos principais autores; para os que já conhecem, confirmar a altíssima qualidade da produção literária brasileira de ficção científica.
>> VIMANA – por Gilberto Schoereder


“VISÃO ALIENÍGENA”: ASSEMBLEIA ESTELAR

segunda-feira | 16 | maio | 2011

Com Assembleia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (Devir Livraria, 400 pág.), Marcello Simão Branco organizou uma antologia de textos variados e interessantes, ressaltando a FC brasileira em vez da estrangeira, já que dos catorze autores só três são americanos – Le Guin, Card e Sterling -, se bem que estes estão entre os mais conscientes de diferenças culturais e perspectivas mais internacionais.

A introdução da antologia abrange a história da FC como a “literatura de mudança”, para usar a frase de James Gunn (autor não citado pelo organizador), e oferece um bom panorama do gênero desde suas origens em Platão com A República, passando por Thomas More e sua “utopia”, para chegar aos tempos modernos. Partindo da tradição política, Branco associa obras de FC com vários eventos históricos, como a revolução soviética, as guerras mundiais e a guerra fria, citando autores de diversas tendências como Heinlein e Pohl, até as modernas ou pós-industriais. Além do mais, apresentam-se as vertentes mais críticas como as do feminismo, ecologia e cyberpunk, esta última, curiosamente sem definir e sem mencionar William Gibson, um dos mais influentes autores docyberpunk.

O panorama de tendências brasileiras oferece uma meta-história do gênero, passando por etapas satíricas, eugenistas, aventureiras, e utópicas que apareceram entre o final do século 19 até os anos 40 do século 20. Na história da FC mais contemporânea, passa por fases da Primeira Onda dos anos 60, para as distopias de autores dos 70 protestando contra o regime militar, para chegar à Segunda Onda a partir dos anos 80. Segundo Branco, entre os tópicos políticos abordados por esta geração há políticas relacionadas à região amazônica, divergências históricas em forma de histórias alternativas, e visões mais pessimistas ou satíricas como as de autores cyberpunks. Porém, omite-se a menção da Terceira Onda, que só surge na apresentação do conto do escritor Flávio Medeiros, uma geração que focaliza assuntos e perspectivas mais internacionais.

A introdução de Branco tem um propósito duplo: oferece uma ampla visão do gênero ao mesmo tempo que serve para explicar a trajetória da FC brasileira desde o século 19 até a atualidade. Isto preenche as lacunas porque a perspectiva da antologia não é de oferecer textos representativos de várias épocas nem de ilustrar tendências específicas; ao invés, quase todos os textos são contemporâneos de 2010. O que falta na introdução é uma justificativa ou discussão da escolha ou princípio organizador dos mesmos. Por isso, a ordem dos textos parece aleatória, mudando de assunto e de época sem transição. O editor afirma que seguiu o modelo de Asimov em Election Day 2084 (1984), dizendo que esta coletânea “inspirou a organização deste que você tem nas mãos”, mas não elabora mais. Por isso, tentarei uma organização temática própria, sem seguir a ordem do índice.

Ditadura e Rebelião

A época da ditadura é lembrada em textos da guerrilha e a luta esquerdista. A evocação da ditadura está presente no conto “O Gabinete Blindado” de André Carneiro, mas de forma subjetiva porque é narrado por uma jovem lutando contra um regime repressor. A militância e a liberação sexual evocam os anos 60, época da militância do próprio autor. Portanto, o interessante do texto recai justamente no uso de uma voz narrativa feminina, técnica utilizada nesta e só em mais uma história, a de Ursula K. Le Guin, “O Dia Antes da Revolução” (1974). O conto da autora americana é sobre uma militante anarquista que, na terceira idade, se lembra da sua juventude e sua vida de luta. Mesmo à beira da morte, ela lembra que a revolução é um processo que continuará com ou sem ela. A evocação subjetiva de experiência política é convincente nestes contos, que trazem finais ambíguos ou abertos para especulação, em contraste com os outros da coletânea.

Redemocratização

Entre os tópicos abordados pelos autores brasileiros está a da redemocratização. No texto do autor português Luís Filipe Silva, “Queda de Roma, antes da Telenovela”, o idealismo democrático e grandes metas políticas estão mortos. Sem memória da luta contra regimes ditatoriais, a televisão toma conta de tudo. Em “Trunfo de Campanha,” Roberto de Sousa Causo lida com o problema ético de um herói de guerra pressionado para participar da política galáctica, enquanto em “Saara Gardens”, Ataíde Tartari imagina uma eleição que determinará o futuro do deserto do Saara num contexto global. A corrupção ou manipulação política brasileira agora aparece num palco mais amplo. No caso de Causo, existe um fim menos cínico do que as histórias de Silva ou Tartari, mas todos questionam o futuro da política brasileira e sua possível expansão.

Distopia e as Políticas Neoliberais

A distopia e o futuro pesadelo também florescem com a época do neoliberalismo em meados da década de 80 e o início de 90, como vemos no caos político dos contos de Fresnot, Flory e Carqueija. A noveleta “O Cerco de Nova York” (1984) de Fresnot evoca o tema de desastre urbano na metrópole americana, onde um político populista inspira rebelião nos habitantes de Nova Iorque. Embora esta política caiba melhor no centro conservador dos EUA e não em uma cidade cosmopolita, o diário do visitante francês em busca de solidariedade e sobrevivência lembra as imagens do atentado real das torres do 11 de setembro. Em “A Pedra que Canta” (1991, atualizado em 2011) de Flory, temos outro futuro de pesadelo com o Brasil em guerra contra a Argentina. Aqui a manipulação de um jovem para assegurar uma vitória brasileira contra o velho inimigo, alude ao romance O Jogo do Exterminador (1983) de Orson Scott Card, só que o jovem brasileiro tem um “implante” feito no Japão. O fato de que o Paraguai tem um líder e investimento chineses pode se referir ao novo poder econômico asiático do século 21, e a pressão para uma vitória política e econômica do Brasil contra a rival Argentina. O conto de Carqueija, “Era do Aquário”, também lida com o nacionalismo, mas de forma abertamente irônica: um senador brasileiro, após ter sofrido vários ataques durante um breve trajeto de carro no Rio de Janeiro, fala ante uma platéia universitária para falar do triunfo da democracia do “país do futuro”, numa extrapolação da política neoliberal que só consegue dividir em vez de unir a população.

Histórias Alternativas

Duas histórias alternativas, uma sobre os integralistas no Brasil e outra sobre John F. Kennedy, são textos que continuam um movimento importante da Segunda Onda da FC brasileira. Em “Anauê”, Roberval Barcellos oferece o dilema moral do protagonista diante as ordens dos nazistas a respeito da população judaica no Brasil. O precipitado final do conto não evoca o mesmo realismo que o início, mas o conto aborda um tema relativamente tabu dentro dos estudos históricos e literários: o fascismo brasileiro. Em “O Grande Rio”, Flávio Medeiros explora uma viagem no tempo para matar o presidente Kennedy, evitando assim um futuro pesadelo que resulta da sua sobrevivência. Como escritor da Terceira Onda de FC, Medeiros ambienta sua história de conspiração inteiramente nos EUA, como admirável pesquisa, só errando a ortografia de John Connely (que deve ser Connolly).

Império

A futura sociedade baseada no consumismo é o tópico do conto “A Evolução dos Homens sem Pernas” de Fernando Bonassi. Ensaístico e abstrato, o conto elabora em página após página, como o constante consumo de bens leva à desumanização. Estes novos humanos deformados lembram os excessos de uma sociedade consumista e politicamente correta. Quase um quarto da antologia se dedica a um só texto: “O Originista” (1989) de Orson Scott Card, que utiliza personagens da série Fundação de Asimov. Mas o texto de Card trata menos de golpes da política imperial e mais da relação íntima do protagonista e sua mulher e da sua busca para garantir o futuro da humanidade após a queda inevitável do império.

Cyberpunk

Não é à toa que os últimos contos sejam de cyberpunk – um brasileiro, outro americano – sendo estes os mais críticos e chocantes da antologia. O conto de Carlos Orsi, “Questão de Sobrevivência”, parece o protótipo de FC política brasileira, não só no assunto, mas também na sua ambientação, num futuro Vale de Anhangabaú poluído, cheio de indigentes, onde a luta de classes, a questão ambiental, e o controvertido uso do leite humano lembram o melhor da FC ambiental dos anos 70 e 80, junto com uma visão cyberpunk de rebeldia. O conto de Bruce Sterling “Vemos as Coisas de Modo Diferente” (1989), explora a visão de um muçulmano em um EUA futuro já em plena decadência. Como não é de surpreender, o protagonista/narrador realiza sua jihad, mas de forma particular, sutil e insidiosa, desde sua perspectiva ou visão do mundo.

Uma crítica da antologia seria a falta de participação de mulheres, com a exceção de Le Guin. A antologia de Asimov não tem nenhuma escritora, como também se vê nas novas antologias recentes de Steampunk, Vaporpunk e Dieselpunk. Que eu saiba, até agora Lugar da Mulher É na Cozinha, antologia organizada por Martha Argel, é a única que traz só escritoras. Até a imagem da capa deAssembleia Estelar retrata três oradores masculinos, um homem branco, um homem de cor, e um robô masculino, com umas mulheres na plateia. Eu também teria gostado de ver incluído contos como “Guerra Civil” (1997) de Domingos Pellegrini. Nesta história, grupos de cachorros começam a atacar populações humanas, mas talvez não se trate de FC propriamente dita mas uma alegoria política. Existem pequenos erros ortográficos dos nomes John Wyndham, Cyril M. Kornbluth, Herberto Sales e China Miéville, mas fora isto, a edição é boa.

Em geral, Branco oferece uma sólida orientação sem ser pedante na introdução, e também nos resumos e nas biografias que antecedem os contos. Com os temas de redemocratização, mundos distópicos, histórias alternativas, caos urbano, consumismo, e tecnologia, esta antologia pode repercutir tanto para o leitor experiente, quanto ao iniciante no gênero. Representa uma antologia para provocar discussão entre fãs, leitores comuns e até entre alunos em sala de aula.

–M. Elizabeth Ginway leciona na University of Florida. Uma das maiores especialistas na ficção cientíifica do Brasil, é autora de Ficção Científica Brasileira e Visão Alienígena.
>> TERRA MAGAZINE – por M. Elizabeth Ginway


RAPHAEL DRACCON LANÇA LIVRO EXCLUSIVO EM PORTUGAL

sexta-feira | 13 | maio | 2011

O autor brasileiro Raphael Draccon, 29 anos, da trilogia de fantasia Dragões de Éter (Editora Leya) lançou o livro Espíritos de Gelo, criado exclusivamente para GaiLivro de Portugal.

Raphael  é o primeiro autor da nova geração brasileira de ecritores de fantasia a publicar na Europa. A proposta da editora é montar uma série de terror inspirada em lendas urbanas, com livros e preços populares (€ 7.90) e com um design estilo “old school”.

O livro faz parte de uma nova coleção intitulada “Mitos Urbanos” que a editora portuguesa desenvolveu, e foi apresentado na Feira do Livro de Lisboa (http://www.feiradolivrodelisboa.pt/) no espaço LeYa. O evento contou com a presença do autor portugues Fernando Ribeiro, um dos autores portugues dessa coleção. No evento também foi transmitido um vídeo do Raphael contando um pouco sobre o enredo do livro e sua carreira até o momento.

A Gailivro já publicou em Portugal títulos como Crepúsculo e Eragon.


Sobre o livro:
Um homem acorda acorrentado com os braços para cima em uma sala escura, com dois torturadores vestidos com detalhes masoquistas ao lado e um interrogador baixinho, com a cabeça desproporcional ao corpo, vestido com roupas sociais e uma camisa surrada do Black Sabbath.

Eles o informam que ele acordou em uma banheira sem um rim e sofreu um choque amnésico, que o impede de lembrar os detalhes. Assim sendo, eles partem do princípio de que outros choques traumáticos podem desbloquear essas memórias, se necessário. E em meio ao interrogatório, se iniciam as piores partes.

O livro faz referências à lenda urbana da banheira de gelo, às lendas ao redor da história do rock’n roll e até às motivações e psicologia ao redor da própria criação de lendas desse tipo.


“GAME OF THRONES”: PRODUZINDO “GUERRA DOS TRONOS”

segunda-feira | 9 | maio | 2011

A mais nova superprodução da TV estreou nos EUA e no Brasil pela HBO cercada de muita publicidade e expectativas. Registrando cerca de 2.2 milhões de telespectadores, nos EUA, “Game of Thrones” repetiu o feito de outras séries do canal ao ter sua produção renovada para sua segunda temporada, com a exibição de apenas um episódio. Não que existisse alguma dúvida a respeito de sua continuidade, afinal, dificilmente o canal cancelaria uma série em sua primeira temporada após o investimento de cerca de 60 milhões de dólares para se produzir os primeiros dez episódios.

Desde que foi anunciada em 2008, a produção deixou claro que sua intenção é produzir, pelo menos, quatro temporadas. O equivalente aos quatro primeiros livros de George R.R. Martin, da série “A Song of  Ice and Fire”. O autor já tem o quinto volume pronto para seu lançamento em julho de 2011, sendo que a série literária deverá ter um total de sete volumes.

O reino de Westeros surgiu da vontade de Martin em se afastar da televisão, veículo para o qual escreveu diversos roteiros para séries. O autor foi roteirista e produtor de “Além da Imaginação” e “A Bela e a Fera”, ambas da década de 1980. A primeira apresentava uma nova versão da visão de Rod Serling para as fantásticas possibilidades proporcionadas pela ficção científica, enquanto que a segunda era um conto de fadas moderno, sobre o amor impossível entre uma criatura meio homem meio fera, e uma advogada vivendo em Nova Iorque.

Apesar do sucesso que as duas séries conquistaram na época em que eram exibidas, Martin decidiu se afastar desse meio. O motivo era simples: na TV seu trabalho estava limitado a um orçamento, a um formato de produção e a uma censura. Pensando em criar um universo povoado por diversos personagens, situados em cenários grandiosos, vivenciando uma trama repleta de reviravoltas, Martin escreveu o livro “Game of Thrones” que introduz o leitor ao reino de Westeros.

Publicado em 1996, o livro atraiu o interesse de um público ávido por esse tipo de história. Recebendo prêmios, a obra começou a despertar o interesse de Hollywood, principalmente depois que “O Senhor dos Anéis” fez sucesso. Mas Martin recusava-se a autorizar que sua obra ganhasse uma adaptação cinematográfica. Para ele, um filme não conseguiria reproduzir o conteúdo do livro. Para que Hollywood pudesse adaptar sua obra, os estúdios teriam que se comprometer a produzir, pelo menos, 27 filmes. Algo impensável.

Até que, por volta de 2007, a HBO começou a negociar com o autor uma adaptação de sua obra, com o objetivo de transformá-la em uma série de TV. Buscando investir em produções ousadas, o canal propôs ao autor adaptar cada livro em uma temporada de, inicialmente, 12 episódios (posteriormente foram definidos 10 episódios por temporada). Considerando esse formato mais adequado para contar sua história e levando em consideração a fama conquistada pelo canal com produções como “Deadwood”, “A Família Soprano” ou “Roma”, Martin aceitou a proposta.

Produzido em parceria com a Management 360, o projeto ganhou a encomenda de um episódio piloto para avaliação. Pura formalidade, visto que a decisão de se produzir uma série já estava tomada. No entanto, a produção sofreu um revés. Entre 2007 e 2008 ocorreu uma greve dos roteiristas americanos que paralisou Hollywood ao longo de quatro meses. Com isso, a HBO precisou adiar a produção de “Game of Thrones”, a qual somente teve início em 2009. Em março de 2010, o canal anunciou a encomenda da série.

No entanto, após o anúncio, a produção precisou refilmar boa parte do episódio piloto para poder acomodar a substituição de duas atrizes. Jennifer Ehle (da minissérie inglesa “Orgulho e Preconceito”), contratada para interpretar Catelyn Stark, foi substituída pela irlandesa Michelle Fairley (a sra. Granger dos filmes de “Harry Potter”). O mesmo aconteceu com Tamzin Merchant, que interpretou Daenerys Targaryen no primeiro piloto, sendo substituída por Emilia Clarke. Embora seja comum a troca de atores quando um piloto é transformado em série, nenhuma explicação foi passada à imprensa.

A troca adiou o início da produção do segundo episódio tendo em vista a necessidade de se fazer testes para selecionar as novas atrizes, bem como a refilmagem de várias das cenas do piloto em que as personagens aparecem.

Inicialmente, as filmagens da temporada seriam feitas no Marrocos, mas a produção decidiu se estabelecer na Irlanda com locações na Ilha de Malta. Com o objetivo de desenvolver o idioma Dothraki, a HBO entrou em contato com a Language Creation Society. Vários de seus membros submeteram suas propostas ao canal, que escolheu o trabalho de David J. Peterson. O especialista em línguas desenvolveu um vocabulário com cerca de 1800 palavras tomando como referência os idiomas russo, turco, estoniano, suahili e diversos dialetos inuits falados no Canadá.

Em seu contrato com a HBO, Martin tem o compromisso de escrever um roteiro por temporada. Na primeira, o episódio oito foi escrito por ele. Com o título de “The Pointy End”, ele será exibido nos EUA no dia 5 de junho e, no Brasil, no dia 26 do mesmo mês.

Com apenas quatro episódios exibidos, a série vem conseguindo manter a média de 2.3 milhões de telespectadores em sua primeira exibição. Embora seja uma audiência baixa em relação ao custo, “Game of Thrones” é considerada mais uma série de sucesso da HBO. Além dos EUA e do Brasil, a produção já foi vendida a canais da Inglaterra, Irlanda, Canadá, Noruega, Suécia, Espanha, Austrália, países Árabes e Europa Central.
>> VEJA – por Fernanda Furquim


PHILIP K. DICK VOLTA À CENA COM LIVRO E UMA SÉRIE DE PRODUÇÕES BASEADAS EM SUAS HISTÓRIAS

sexta-feira | 6 | maio | 2011

Divulgação / Philip K. Dick Trust
Você pode até não saber quem é Philip K. Dick, mas com certeza você já ouviu falar de pelo menos um dos filmes baseados no que ele escreveu. Afinal de contas, a obra do escritor americano gerou adaptações milionárias para a telona, como Blade runner: o caçador de androides,Minority report: a nova lei e O homem duplo, todos com grandes nomes como atores principais e excelentes diretores por trás das câmeras.

E vem aí mais uma avalanche de filmes inspirados em suas obras. O diretor francês Michel Gondry (O besouro verde) está adaptando para o cinema o livro Ubik, considerado pela revista Time um dos 100 melhores romances em língua inglesa – mostra o planejamento que pessoas mortas fazem de suas próximas vidas. O diretor Ridley Scott, que dirigiu Blade runner, está produzindo série baseada no mundo em que os nazistas venceram a Segunda Guerra, tema do livro O homem do castelo alto. E o longa Os agentes do destino, com Matt Damon, adaptado do conto “Adjustment time”, tem estreia prevista para este mês no Brasil.

Outra boa notícia é que, depois de um tempo sumido das prateleiras, Philip K. Dick volta a ser encontrado com facilidade nas livrarias. O lançamento mais recente do autor no Brasil é Os três estigmas de Palmer Eldritch, publicado pela Editora Aleph e escrito originalmente em 1964. No livro, Philip K. Dick mescla religião, colonização de outros planetas e um tema extremamente atual: o aquecimento global, que leva as pessoas a usarem aparelhos de ar-condicionado portáteis e a passar férias na Antártida para fugir do calor. Qualquer semelhança com o noticiário cada vez mais alarmante com o clima pode não ser mera coincidência. A obra se junta a outras publicações recentes do autor no país, como O caçador de androides, que baseou o hoje clássico Blade runner, e O homem do castelo alto, que mostra uma distopia em que os nazistas venceram a Segunda Guerra.

Nem sempre foi assim. Depois dos anos 1980, quando teve inúmeros livros publicados no país e edições importadas de Portugal ajudavam a disseminar as obras, o autor praticamente desapareceu das livrarias, com exceção de uma ou outra publicação pontual, baseada na adaptação de algum livro para o cinema. Só a partir de 2006, com a publicação de O homem do castelo alto, ele passou a merecer uma atenção melhor tanto do mercado quanto dos leitores.

Temas atuais
Marcos Fernando de Barros Lima, produtor editorial da Editora Aleph, uma das responsáveis pelo retorno do autor às prateleiras, afirma que, “sendo Philip K. Dick um dos autores mais renomados da área de ficção científica, ele faz parte da proposta da editora de resgatar os clássicos desse ramo da literatura, que merece mais atenção e destaque”. Segundo ele, os livros estão vendendo bem. Para o produtor, as obras do escritor americano voltaram a interessar o público pelo fato de tratarem de temas que estão em discussão hoje em dia, mesmo tendo sido escritas há mais de 40 anos.

“Philip K. Dick tem potencial suficiente para atingir diversos tipos de leitores. Em seus livros, trata de temas muito atuais, como aquecimento global, drogas e aborda questões filosóficas, espirituais e tecnológicas”, explica. De fato, esta mistura entre tecnologia e misticismo é marcante na obra de Philip K. Dick. Um dos precursores do gênero cyberpunk, ele passou cada vez mais a incrementar o cenário hi-tech de seus livros com abordagem sobre abusos de drogas, parapsicologia, sem falar em questionamentos religiosos, baseados principalmente nas próprias experiências no assunto. Em 1974, passou por momento de delírio. Acreditava ter vida dupla, como escritor no século 20 e cristão perseguido pelos romanos no século 1. A experiência, claro, marcou seu trabalho, principalmente nos escritos no fim da vida, como Valis.

Para este ano, não há mais lançamentos previstos, mas isso não é necessariamente uma notícia ruim. Além de os livros do autor seguirem no prelo para novas traduções, dá tempo de quem se interessar pelo estranho universo de Philip K. Dick se inteirar do assunto. Afinal, é sempre bom saber como vai ser o mundo quando a temperatura média bater os 50 graus.

Para começar a ler
A bibliografia de Philip K. Dick é vasta. São 36 romances e centenas de contos que o autor produziu entre 1950 e 1982. Muito pouco do que ele publicou chegou a ser traduzido no Brasil e os livros encontrados com maior facilidade são os publicados pelas editoras Aleph e Rocco, que dividem os direitos do autor no país. Duas boas portas de entrada para o mundo de Dick são O caçador de androides e O homem do castelo alto.

Se o leitor tiver disposição de explorar sebos, as opções de leitura ficam mais diversificadas. As edições portuguesas da Editora Europa-América e os livros publicados nos anos 1980 pelas editoras Melhoramentos e Brasiliense, como O labirinto da morte e Os clãs da lua Alfa, podem ser encontrados com facilidade pelas estantes, apesar de estarem esgotados há vários anos.

Livros de Philip K. Dick no Brasil
Pela Editora Aleph
O homem do castelo alto (304 páginas, R$ 44)
Os três estigmas de Palmer Eldricht (248 páginas, R$ 42)
Ubik (238 páginas, R$ 42)
Valis (304 páginas, R$ 44)

Pela Editora Rocco
O caçador de androides (256 páginas, R$ 36)
O homem duplo (308 páginas, R$ 38,50)
Vozes da rua (432 páginas, R$ 58,50)

Inspiração do cinema

Sem dúvidas, o filme mais famoso baseado em uma obra de Philip K. Dick é Blade runner: o caçador de androides. O trabalho foi o primeiro a ser adaptado, em 1982, pelo diretor Ridley Scott. Com Harrison Ford no papel de Deckart, um policial cujo trabalho é perseguir os replicantes, robôs que são idênticos aos humanos, mas estão fora da lei. O visual impressionante da Los Angeles futurista, onde não há animais de carne e osso e a vida está se extinguindo, juntamente com a trilha criada por Vangelis, ajudou a catapultar o filme para o status de cult. Philip K. Dick em pessoa chegou a visitar o set de filmagens e aprovar tudo que estava sendo feito, antes de morrer de um AVC, seis meses antes do lançamento do filme.

Além do clássico, vários outros filmes alcançaram sucesso razoável e contaram com grandes estrelas em papéis principais e por trás das câmeras. O vingador do futuro (1990) traz no elenco Sharon Stone e Arnold Schwarzenegger, que interpreta um homem que vai até Marte em busca de respostas para suas memórias implantadas. Minority report (2002) foi dirigido por Steven Spielberg e tem Tom Cruise no papel do policial que precisa proteger uma paranormal que prevê crimes.

Já O homem duplo, de 2006, conta com Richard Linklater (Waking lifeEscola do rock), além de uma trinca de atores de fazer inveja. Keanu Reeves tem o papel principal, um detetive que se infiltra em um grupo de viciados na droga Substância D para descobrir quem a produz. Winona Ryder faz a namorada do policial e Robert Downey Jr. é um dos dependentes químicos. Para quem ficou com vontade de ver: todos estão disponíveis em DVD e podem ser facilmente encontrados até em grandes lojas de departamento.

 

Filmografia

. Blade runner: o caçador de androides, de 1982. Dirigido por Ridley Scott, com Harrison Ford. Baseado no livro Caçador de androides
. O vingador do futuro, de 1990. Dirigido por Paul Verhoeven, com Arnold Schwarzenegger e Sharon Stone. Baseado no conto “Podemos recordar para você, por um preço razoável”
. Confissões de um louco, de 1992. Dirigido por Jérôme Boivin. Baseado no livro Confessions of a crap artist
. Screamers: assassinos cibernéticos, de 1995. Dirigido por Christian Duguay. Baseado no conto “Second Variety”
. O impostor, de 2002. Dirigido por Gary Fleder. Baseado no conto “Impostor”
. Minority report: a nova lei, de 2002. Dirigido por Steven Spielberg, com Tom Cruise. Baseado no conto “The Minority report”
. O pagamento, de 2003. Dirigido por John Woo, baseado na história “Paycheck”
. O homem duplo, de 2006. Dirigido por Richard Linklater, com Keanu Reeves, Winona Ryder e Robert Downey Jr. Baseado no livro O homem duplo
. O vidente, de 2007. Dirigido por Lee Tamahori, baseado no conto “The Golden Man”
>> UAI – por João Renato Faria


“MATADOURO 5”: O CÔMICO E O TRÁGICO EM KURT VONNEGUT

quinta-feira | 5 | maio | 2011

O cômico e o trágico em Vonnegut Por ocasião da morte de Moacyr Scliar, Luís Fernando Veríssimo, em sua coluna no “Estado de São Paulo”, dizia que nenhum outro escritor brasileiro dominou como Scliar “aquela estreita faixa da imaginação entre o cômico e o trágico frequentada por Kafka e Vonnegut”.

A propósito, Kurt Vonnegut – no seu último livro, “A Man without a Country” (2005) – observa que o humor é uma resposta quase fisiológica ao medo. Ao explicar como o humor funciona, pergunta por que o creme de leite – que vem em pequenas caixinhas de papelão (e não em latas, como no Brasil) – custa tão caro. Ora – diz ele – considere que responder perguntas é difícil. Elas põem à prova nossa inteligência e ficamos envergonhados quando damos a resposta errada. Encabulados pela pergunta sobre o preço do creme de leite nos calamos.

Então, quem perguntou oferece a resposta. “Porque as vacas detestam se agachar em cima daquelas caixinhas.” Aliviados, rimos. Não porque a frase seja engraçada. Mas porque sentimos alívio ao saber que não existe “a” resposta correta. Absolvidos, relaxamos a tensão e achamos graça.

Muitas das narrativas de Vonnegut têm a estrutura das piadas, com a tensão que cresce até que, no momento certo, a virada certeira e inesperada providencia o alívio. Mas não se deixe enganar. Vonnegut é um moralista. E é, também, profundo conhecedor da cultura norte-americana e filósofo das tragédias fabricadas pelo homem.

Autor do best-seller “Matadouro 5” – também aplaudido pela crítica literária – Kurt Vonnegut morreu em 2007, aclamado como grande figura do humor negro e satirista social inimitável. O humor negro reconhece o absurdo das “coisas da vida” e as transforma em matéria para riso. Mas a classificação de Vonnegut seja como humorista seja como escritor de literatura de ficção científica limita a compreensão de sua obra, que foi profundamente inovadora, tanto na forma como no conteúdo. Escritor original, de fato merece o lugar ao lado de Kafka que lhe confere Luís Fernando Veríssimo. Na voz de Doris Lessing, Vonnegut foi inigualável: escritor que “dá nome aos lugares que melhor conhecemos.”

“Matadouro 5” (L&PM Editores) tem como pano de fundo a destruição de Dresden em 1945. Em 14 de dezembro de 1944, as forças alemãs e aliadas se enfrentaram na batalha das Ardenas, quando 120.000 alemães e 75.000 americanos morreram. Kurt Vonnegut estava lá.

O choque entre alemães e aliados culminou dois meses mais tarde com a destruição de Dresden em 14 de fevereiro de 1945, em ataque liderado pelas forças britânicas. Embora, naquela época, as forças aliadas tivessem declarado que Dresden era centro de transportes e comunicação, hoje se sabe que sua destruição não serviu a nenhum propósito militar. A rede ferroviária de Dresden não foi afetada pelo ataque. Mas 135.000 civis indefesos morreram incinerados
por tempestade de fogo de mais de 500º.

Depois da Segunda Grande Guerra, varreu-se a catástrofe de Dresden para debaixo do tapete. As histórias militares evitavam mencionar o episódio que permaneceu classificado durante algum tempo.
As autoridades britânicas evitaram gabar-se do feito, porque entenderam que não encontrariam apoio nem entre os ingleses nem entre os aliados para o bombardeio da população indefesa de uma das cidades mais bonitas da Europa.

Durante algum tempo fingiu-se que a cidade tivesse alguma importância militar. Não era o caso. David Irving documentou os fatos em “A destruição de Dresden” (Nova Fronteira).

A tragédia resultou da indiferença grosseira de seus promotores? De vingança? A destruição ocorreu antes que a existência dos campos de concentração se tornasse conhecida e a única explicação para o descaso que se seguiu à carnificina é aquela oferecida por um militar no livro de Vonnegut: a história verdadeira deixaria muito perturbada qualquer pessoa dotada de consciência.

Mais civis morreram carbonizados em Dresden do que em Hiroshima. Mas foi através da leitura de “Matadouro 5” que a maioria dos norte-americanos tomou conhecimento da tragédia pela primeira vez. A experiência de Kurt Vonnegut durante a Segunda grande Guerra lhe deu material para criar Billy Pilgrim, o protagonista do romance. A guerra do Vietnã lhe ofereceu o momento para 3 contar a história de Dresden. Hoje, da Líbia ao Afeganistão, sobram motivos para relembrá-la.

“Matadouro 5” começa com uma espécie de prefácio onde o autor descreve a dificuldade de escrever o livro. Em seguida entra Billy Pilgrim, viajante do tempo. A maior parte das viagens de Billy gira em torno de suas experiências como prisioneiro de guerra.

Depois de um acidente de avião, Billy deseja contar a todos suas aventuras no planeta Tralfamadore, cujos habitantes o tinham sequestrado. Entre uma e outra aventura, Billy também recebe pacientes em seu consultório de optometria, que vai muito bem, diz ele. E, porque ele é um viajante do tempo, sabe de antemão o resultado do que faz e o que vai lhe acontecer.

Enquanto a filha o repreende, Billy viaja para as linhas inimigas com outros soldados. Viaja também para a ala de doentes mentais do hospital onde ficara depois da guerra. Viaja para o jardim zoológico de Tralfamadore. Para a própria morte. Para a noite de núpcias com Valencia. Para o campo de prisioneiros de guerra. Para o matadouro (onde os americanos se hospedam em Dresden). Para uma fábrica de xarope. Para os braços de Montana…

Valencia morre a caminho do hospital onde Billy está internado depois do acidente de avião. Billy vai a Nova York falar, em entrevista de rádio, sobre o que aprendeu com os homenzinhos verdes de Tralfamadore. E viaja ainda para a mina de cadáveres de Dresden, onde trabalha desenterrando carcaças. Ali, a polícia apanha o professor secundário, Edgar Derby, com uma chaleira que ele retirara das catacumbas. Edgar Derby é preso por pilhagem, julgado e fuzilado.

Mas afinal chega a primavera. A Segunda Guerra Mundial termina e Billy sai caminhando. “Os pássaros estavam conversando. Um deles disse a Billy Pilgrim:Piu-piu-piu?”

“Matadouro 5” é também um livro sobre ele mesmo, sobre o ato de escrever e o ato de ler, segundo Jerome Klinkowitz, crítico literário e amigo de Vonnegut. Os tralfamadorianos não são invasores. Eles visitam a terra porque sentem curiosidade sobre seus habitantes. Afinal, os terráqueos são únicos seres no universo inteiro que acreditam no livre arbítrio. E acreditar no conceito de livre 4 arbítrio faz mal? Pode fazer, se as pessoas começam a acreditar que são responsáveis por tudo o que acontece e esquecem a responsabilidade maior de inventar histórias e buscar significados.

Billy Pilgrim, como Vonnegut, aceita a responsabilidade de se perguntar sobre o sentido das coisas. Ambos são escritores. Não representantes de escritores que estão ou estiveram escrevendo histórias, mas escritores da história que estamos lendo, ela mesma. Nenhum dos dois tenta representar a realidade. Ambos a inventam: assim buscam o sentido da vida. Tralfamadore é apenas uma imagem.

Os Tralfamadorianos não nos trazem novas tecnologias futuristas, mas uma nova compreensão do tempo. Essa compreensão não nos chega em termos científicos ou filosóficos, mas através da literatura e se relaciona ao propósito e significado da humanidade.

Para Klinkowitz, a preocupação de Kurt Vonnegut com a teoria literária fica clara, porque Billy Pilgrim toma parte num programa de rádio onde se discute um tópico quente daquela época: a morte do romance. Nos idos de 1960, a morte do romance era um tema tão em voga quanto é hoje a discussão sobre a morte do livro.

Billy examina os romances em Tralfamadore e chega à conclusão que se parecem a telegramas recheados de estrelas a separar grupos de símbolos. Seu anfitrião o corrige. Não existem telegramas em Tralfamadore. Telegramas implicam sequência e é exatamente dela que foge o romance tralfamadoriano. Cada grupo de símbolos é uma mensagem breve e urgente, que descreve uma situação. Os símbolos se leem ao mesmo tempo. A simultaneidade substitui a sequência. “O
autor os escolheu com cuidado, para que vistos ao mesmo tempo produzam uma imagem da vida que é bonita e surpreendente e profunda.” Não há começo nem fim, apenas momentos maravilhosos, todos eles vistos ao mesmo tempo.
>> VALOR ECONÔMICO – por Eliana Cardoso


“CARNIVALE STEAMPUNK”: A PRIMEIRA FOTONOVELA BRASILEIRA STEAMPUNK

quinta-feira | 5 | maio | 2011

Fotonovela Carnivale SteamPunk realizada pela Loja Paraná no intuito de divulgar o movimento SteamPunk no Brasil. A idéia da historieta é ser engraçada e divertir. Todas as personagens foram criadas e idealizadas pelos integrantes da Loja Paraná: http://pr.steampunk.com.br/