‘READING COMICS’: DOUGLAS WOLK EXPLICA MUITO DO PAPEL CONTEMPORÂNEO DOS QUADRINHOS

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O que faz de Reading Comics – How Graphic Novels Work and What They Mean, de Douglas Wolk um dos bons livros sobre este meio é que ele o trata exatamente desta maneira: quadrinhos como meio de comunicação e cultura com particularidades e linguagem que o colocam entre as principais formas de expressão deste e do século passado. Refletir sobre as histórias em quadrinhos, o modo como elas se disseminaram como parte da cultura dos séculos XX e XXI e sua prevalência como meio sensível às transformações sociais e culturais é o mote do autor.

Douglas Wolk em Reading Comics divide sua reflexão em dois momentos aparentemente distintos, mas que se complementam no fim. No primeiro, o autor empreende uma análise sobre o meio de comunicação que encerra as histórias em quadrinhos, seus referenciais, suas transformações e as implicações resultantes delas.

Reading Comics_capaEm Reading Comics, mais que pensar as histórias em quadrinhos em gêneros, Douglas Wolk procura pensar o meio, independente de suas manifestações diversas – afinal, uma Graphic Novel não deixa de ser uma história em quadrinhos e, portanto, sujeita às mesmas implicações técnicas e sociológicas.

Para Douglas, pensar o meio que suporta as histórias em quadrinhos não desconsiderar suas múltiplas manifestações. Histórias em quadrinhos de linha, independentes, narrativas gráficas, arte seqüencial ou graphic novel terminam soando como sinônimos constrangidos de uma mesma expressão social e artística que deve ser considerada como tal: histórias em quadrinhos.

Muito da primeira metade de Reading Comics trata exatamente deste “ressentimento” disseminado entre autores e leitores. Douglas Wolk vai ainda mais longe: defende que os criadores de histórias em quadrinhos atuais apreenderam as lições de gerações anteriores e, como conseqüência, compreendem que, social e culturalmente, este meio detém não apenas uma linguagem própria, mas, mais ainda, uma mitologia elaborada e significativa.

Já no segundo momento de Reading Comics, Douglas Wolk apresenta uma série de seus artigos que ampliam ainda mais a discussão por ele pretendida na primeira parte do livro. Descontado o fato de que o cerne de Reading Comics encontra-se em suas primeiras duzentas páginas, esta segunda parte pode conduzir o leitor a um certo cansaço – uma vez que muitos dos autores analisados por Douglas têm pouco dos seus trabalhos publicados no Brasil.

Entretanto, os artigos com os quais o autor se debruça em torno da arte dos Irmãos Hernandez, de Alan Moore, de Frank Miller e Grant Morrison são indispensáveis para os que pretendem uma reflexão profunda não somente sobre os autores, mas sobre as transformações sofridas tanto pela indústria quanto pelo próprio meio: definir Frank Miller como herdeiro da tradição de Will Eisner me parece, mais que uma sacada, uma certeira percepção – descontados os escorregões de Miller nos últimos dez anos – de como influência e transição são elementos inerentes a este meio.

O artigo dedicado a Alan Moore e sua obra, especialmente analisando as reflexões/implicações sociológicas e políticas dispersas em trabalhos como V de Vingança e Watchmen (de modo ainda mais aprofundado com relação a este último), me pareceu um dos pontos altos de Reading Comics: Douglas Wolk reconhece na narrativa de Moore uma percepção profunda e um timing social que o colocam em um patamar literalmente icônico na historia das histórias em quadrinhos recente.

Grant Morrison é, de certa forma, apontado por Douglas Wolk como a representação de uma forma complexa de escrever histórias em quadrinhos. Para o autor, Morrison é um dos poucos escritores que, além de possuir uma percepção clara sobre os personagens em torno dos quais trabalha, compreende o potencial e a linguagem inerentes às histórias em quadrinhos – buscando construir suas histórias nos limites deste gênero.

Douglas, no artigo sobre Morrison, busca as referências para justificar seus argumentos em dois momentos distintos da carreira do escritor: em sua passagem pela série Homem-Animal e em sua tour de force narrativa chamada Os Invisíveis. O segundo momento como clara amplificação dos conceitos que o autor aplicara no primeiro: se em Homem-Animal o vilão era o próprio autor e o herói descobre ser apenas uma criação em duas dimensões fruto das idéias de seu nemesis – este com pleno controle sobre os destinos do personagem -, em Os Invisíveis Morrison dará a seus personagens plena percepção dos limites e da linguagem que os separam de seus destinos.

Para Douglas Wolk, tanto Morrison quanto Moore e Miller ajudaram a consolidar o mídia na qual se encerra as histórias em quadrinhos e a linguagem que as alicerça em uma combinação que alçou o gênero a condição de expressão artística, sociológica e cultural que deve ter seu papel considerado como parte da formação contemporânea das socialidades. Douglas Wolk considera que o lugar contemporâneo das histórias em quadrinhos é o lugar da expressividade de um meio que por muito passara incompreendido em suas manifestações mais complexas.

No fim, Reading Comics é um livro indispensável para os que, como o autor e toda uma geração de leitores/escritores de quadrinhos, percebem este meio como um modo de representar a realidade que muitas vezes diz muito sobre ela, mas sobre uma ótica por vezes imperceptível aos menos habituados ao meio. Douglas Wolk percebe que todas definições que procuraram retirar as histórias em quadrinhos de seu meio e lança-la na direção de uma forma de expressividade aparentemente mais séria desconsideram a dimensão histórica deste mesmo meio, de como ele se relacionou com a própria cultura e de como esta mesma cultura se transformou como resultado das transformações desta mídia. Uma mídia que, para muitos, é feita tão somente de fantasia e ilusões, mas que, no seu íntimo, como concebe de modo brilhante este Reading Comics, vem alimentando gerações com uma visão elaborada dos conflitos que se desenrolam no mundo real.
>> DISRUPTORES – por Alexandre Honório

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